Por Nicolás Parada
O Hospital de Pediatria Prof. Dr. Juan Pedro Garrahan, da Argentina, é um hospital público de alta complexidade que desenvolve desde 1997 o primeiro programa de telemedicina do país.
O projeto, chamado Referência – Contra-referência, promove polos de saúde em nível provincial e regional, e busca alentar o acesso igualitário a consultas com médicos especializados.
O pediatra Joaquín Héctor Gonzalez é o responsável pelo departamento de Comunicação à Distância e, desde há 25 anos, desempenha-se como médico do departamento de comunicações do hospital. Nesta entrevista repassa quando se iniciou, em que consiste e como funciona o programa interprovincial.
Como surgiu a ideia de implementar telemedicina no Hospital Garrahan?
O programa começou no Hospital de Día em 1997; a melhora do serviço de internet no país permitiu o trabalho ponto a ponto com os hospitais. Desde a sua implementação foram recebidas cerca de 50 mil consultas e 80% dos pacientes não tiveram necessidade de trasladar-se até o hospital, localizado na Cidade Autônoma de Buenos Aires.
Que motivos impulsionaram o projeto?
Vários: havia crianças que vinham de longe por uma enfermidade que se agravava durante a viagem; recebíamos crianças que se aproximavam sem informação clínica e, uma vez que terminavam o tratamento, não tínhamos a quem transferi-lo porque não sabíamos quem era seu médico de cabeceira; atendíamos a pacientes que podiam ser atendidos perfeitamente em sua área de residência; e a lista continua…
Como é o sistema de gestão de turnos?
As consultas são programadas, isso permite que um paciente do interior que chega de manhã seja internado em um horário determinado para fazer os exames e as consultas necessárias. Às 8 horas já terão um resumo dos exames ou alguma conclusão, tratamos de fazer tudo em 24/48hs. De fato, os horários são programados considerando que o paciente ficará dois dias no hospital.
Por sua vez, após programar a consulta, nos comunicamos com o lugar onde a criança é atendida habitualmente e, através do serviço social, elabora-se a derivação considerando que estará em Buenos Aires pelo menos um dia. Então marcamos, assim, onde passará a noite, pode ser na Casa Garrahan ou em um alojamento externo.
Os hospitais com os que trabalham, são apenas públicos?
Complica-se a questão do manejo do público e do privado. Por enquanto, nos manejamos só com hospitais públicos porque não geramos atividades com lucro, ainda que cada tanto fazemos alguma exceção.
Dispomos de equipamento como para não necessitar nenhuma contraprestação ao hospital privado, mas eles, em contrapartida, geram um lucro faturando o serviço que nós lhe oferecemos sem custo.
De todas as formas, na província estão tentando gerar convênios com hospitais da área privada; sobretudo com os que têm seguros de saúde na província, que se consideram como públicos mas de fato não são.
Quais planos estão sendo desenvolvidos em nível nacional?
Há um subsídio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), através do Ministério de Ciência e Técnica, para equipar 140 hospitales com aparelhos de videoconferência, uma rede de telefonia IP e um site web.
Todos os equipamentos, destinados aos hospitais de referência e aos 23 Ministérios de Saúde, serão utilizados para docência e interconsulta. Além disso, juntou-se um novo projeto, ao qual o Ministério de Planificação associou-se através do Ministério de Ciência e Técnica através de um convênio com o Ministério de Saúde, que incorporará equipamentos de videoconferência a outros hospitais e gerará uma rede de atendimento a grávidas e adultos.
Esta rede seria gerada, em 90% dos casos, nas mesmas instituições de saúde com as que trabalhamos, porque a maioria não são exclusivamente de crianças: nós trabalhamos na rede privilegiando o pediátrico, que é o que sabemos fazer, mas estão pensando em aproveitar os mesmos escritórios, a infraestrutura que se tem, os vínculos de contato que estão sendo realizados através da rede pediátrica, para gerar uma rede de adultos e de maternidade.
Como é o trabalho com as províncias?
O sistema que usávamos até 2001/2002 com os hospitais das outras províncias gerava uma quebra no sistema de referência local. Por exemplo, temos o caso de Neuquén: percebemos que trabalhávamos com o hospital de Zapala, que é de complexidade média, e os médicos, ao invés de consultar o hospital central da província, consultavam a gente. Terminavam gerando derivações de pacientes que não cumpriam o percurso que tinham que fazer dentro da província para tornar o sistema mais eficiente; ou seja, vinham a Buenos Aires por algo que também poderia ser resolvido lá.
Então mudamos o objetivo e decidimos armar uma rede de hospitais de referência em pediatria em cada província; e, por sua vez, que cada província gerasse sua rede interna.
Em Neuquén há um só polo central, mas, por exemplo, em Rio Negro há quatro unidades da mesma complexidade: Bariloche, General Roca, Cipolletti e Viedma. A província não tem um só polo central onde vão todos, senão que distribui a saúde pública em quatro polos. Nós respeitamos essa referência local, tratamos que interajam entre eles e trabalhamos assumindo que tem quatro polos de desenvolvimento, privilegiamos que a rede seja armada pela província.
E nas províncias como as redes locais estão sendo desenvolvidas?
Ainda falta armar vínculos regionais entre as províncias. O sistema de telemedicina que estamos desenvolvendo busca melhorar a capacidade de resolução local.
Em minha opinião, a telemedicina divide-se em dois sistemas:
1. Tipo rede sanitária: vai um ônibus do Garrahan a uma província com especialistas e equipamento, atendem os pacientes, o ônibus vai embora, e não fica nada.
2. Programa Referência – Contra-referência, que é o que estamos desenvolvendo. Trata-se de uma estratégia de colaboração; mediante ferramentas do sistema de comunicação à distância, geram vínculos que permitem a formação de especialistas em nível local. Por exemplo, detecta-se que em uma província não há neurologistas e têm uma pessoa que quer trabalhar como neurologista no hospital. Suponhamos que já tenha feito a residência e que tem a idade adequada para formar-se, há um exame que pode realizar para entrar como bolsista no Garrahan e fazer a formação como especialista.
O Garrahan atende toda pessoa que se apresentar no hospital ou as deriva em casos de não requerer alta complexidade?
Vêm muitos pacientes com patologias respiratórias que não seriam alta complexidade senão patologia estacional, e há vários hospitais com capacidade de resolvê-lo. De todos as formas, se alguém se apresenta no hospital é atendido. Os casos que não são muito complexos, que não requerem terapia intensiva, recebem um tratamento operativo.
Este processo não conduz a uma saturação do sistema de saúde do Hospital?
Isso é um hospital planificado para ter alta complexidade, mas também é aberto: podem vir atender-se qualquer um de qualquer lugar. Quando um paciente chega, tem à sua disposição um médico orientador. O que se trata é que cheguem os pacientes que tenhamos que atender aqui, que não possam ser atendidos em outro lugar.
Que papel possui o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) no programa de telessaúde?
O PEP está implementado em muitos poucos países, há vários projetos em pleno processo de debate, mas ainda nenhum está aplicado. Até agora o sistema é através do fax, que era o que havia quando começamos. Acrescentamos um e-mail para poder receber as imagens que antes mandávamos por correio.
Qual é a sua perspectiva em nível nacional e continental sobre a telessaúde?
Estamos com perspectivas de progresso. Nosso programa se inserta na colaboração com o Ministério, e a possibilidade da extensão da rede de fibra óptica que o plano Argentina Conectada está desenvolvendo é muito prometedora.
Poderíamos aproveitar essa rede para dar conectividade às videoconferências e geraríamos uma plataforma bastante importante para vincular a todos os hospitais em rede.
O Brasil, por exemplo, tem uma rede de telemedicina bastante importante. A partir do que nós vimos, possuem um programa centrado no centro universitário para consulta de médicos generalistas que atendem grupos em zonas rurais. O que não realizam, em comparação com nosso programa, é manejar a informação de ida e volta. Consultam o centro universitário por um paciente, oferecem-lhe uma devolução sobre o procedimento a realizar ou se requer internação, e logo o médico generalista que está na zona rural deve averiguar aonde derivá-lo. A videoconferência serve como consulta online do que há que fazer e o médico tem que prosseguir com o que o paciente requerer, não tem a resposta integrada com uma implementação programada do que fazer.
Por outro lado, a Organização Pan-americana da Saúde (OPS) está trabalhando com um programa, como uma clínica virtual, que falhou porque tinha problemas de conectividade. Tentou-se começar um programa piloto em Jujuy que ficou demorado por problemas de conectividade. Na agenda da OPS está presente o tema da saúde em rede, ou seja, a rede como um conceito de redes integradas ao serviço de saúde.