Por Rodrigo Castro Apablaza (*)
A Estratégia Digital de Saúde que o Ministério de Saúde do Chile está desenvolvendo baseia-se em quatro pilares, que orientam a tomada de decisões e o foco dos projetos estratégicos:
1. Fortalecer a saúde pública com ênfase na integração da informação entre os diferentes níveis assistenciais, com registros em tempo real e de qualidade para a otimização da gestão.
2. Integrar plataformas tecnológicas e armar sistemas de informação que contribuam para empoderar e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
3. Garantir a continuidade do cuidado do paciente com um prontuário médico compartilhado, independente do lugar geográfico e provedor sanitário.
4. Implementar um repositório nacional de dados para realizar um uso secundário do registro clínico eletrônico, com o objetivo de construir painéis de comando temáticos, para melhorar as políticas públicas e incrementar os resultados sanitários de toda uma população.
Nesse contexto, a telemedicina é um processo assistencial clave na estratégia digital e uma realidade presente há muitos anos nas redes assistenciais de todo o país. Hoje em dia a aplicação da estratégia de telemedicina é feita pela Divisão de Gestão das Redes Assistenciais, DIGERA, na Unidade de Telemedicina, e se materializa nos seguintes projetos:
Tele-oftalmologia:
Objetivo?: Realizar exames de fundo de olho em pacientes diabéticos durante o controle médico em Atenção Primária de Saúde (APS).
Como funciona?: As imagens adquiridas pelo equipamento de alta definição são enviadas através da rede de comunicações Minsal a uma plataforma de tele-oftalmologia, a qual acessam especialistas que revisam as imagens e enviam o informe com os resultados à Unidade de Atenção Primária de Oftalmologia.
Implementação: 14 serviços de saúde.
Tele-eletrocardiografia:
Objetivo?: Detectar Infarto Agudo ao Miocárdio (IAM) em pacientes dos Serviços de Atenção Primária de Urgência (SAPU) e Serviços de Urgência (SUR).
Como funciona?: Envia-se um eletrocardiograma através da Rede de Comunicações Minsal a uma central de Tele-cardiologia, que vinte minutos depois enviará o diagnóstico e emitirá as pautas a seguir.
Implementação: Todos os serviços de saúde do país.
Tele-assistência através de dispositivos móveis básicos:
Objetivo?: Possibilitar a conexão a distância entre médicos generais de zonas de hospitais de baixa complexidade com especialistas localizados em hospitais de média ou alta complexidade.
Como funciona?: Os médicos especialistas entregam orientações diagnósticas e/ou terapêuticas, utilizando comunicações WiFi ao interior dos estabelecimentos, e a rede de comunicações Minsal para o envio dos dados.
Implementação: 113 dispositivos básicos.
Teleassistência através de dispositivos móveis avançados:
Objetivo?: Habilitar a conexão à distância entre especialistas de redes complexas localizadas em hospitais de alta complexidade, para que condutas médicas entrem em consenso, coordenar traslados oportunos e fortalecer o trabalho em rede.
Como funciona?: Utiliza-se WiFi no interior dos estabelecimentos, e a rede de comunicações Minsal para o envio dos dados.
Implementação: Durante 2014 instalou-se o modelo de forma paulatina, foram definidas algumas redes complexas como Neuropsiquiatria Infantil, Tele-oncologia, Rede VIH Alta Complexidade e Rede de Queimados, que atualmente estão em processo de implementação.
Telerradiologia:
Objetivo?: Aumentar a resolutividade no processo de apoio diagnóstico dos hospitais de maior e média complexidade através da aquisição de informes radiológicos de tomografia computadorizada.
Como funciona?: Transmite, através da rede de comunicações Minsal, as imagens digitais dos tomógrafos das Unidades de Emergência Hospitalares (UEH), Unidades de Paciente Crítico (UPC) e outras unidades clínicas, rumo a um datacenter que centraliza a informação em um RIS/PACS e disponibiliza os exames para seu informe à distância, em um prazo de 2 horas em horário vetado.
Implementação: 300.425 informes à distância.
Teledermatologia:
Objetivo?: Outorgar acesso oportuno e com qualidade ao atendimento dermatológico desde a Atenção Primária.
Como funciona?: As imagens são enviadas a uma plataforma que contém os dados clínicos dos pacientes para que os dermatologistas entreguem assessoria médica à distância.
Implementação: Mais de 26.000 consultas.
Desafios
Se bem que a experiência chilena nos faz ver o futuro com otimismo com relação à contribuição da telemedicina em diversas especialidades médicas, ainda há brechas para cobrir e desafios dos quais responsabilizar-se.
As enfermidades crônicas são uma epidemia para o Chile, pelo menos 30% da população sofre de uma enfermidade crônica; e um número menor sofre de enfermidades crônicas complexas e têm co-morbilidades. Este segmento representa um desafio para a saúde pública, já que o gasto é maior em visitas a urgências e hospitalizações durante o ano. Aqui ocorre o teorema de Pareto, levado à saúde, o que significa que 20% dos pacientes representa 80% do gasto para a rede assistencial.
Então, o desafio está em buscar novas soluções TI para antecipar-se à descompensação do paciente através do monitoramento à distância de enfermos crônicos complexos.
Piloto 2016
O modelo que propomos consiste em medir à distância sinais vitais e outros parâmetros clínicos através de sensores e dispositivos móveis no lar do paciente. O objetivo é antecipar-se a episódios de descompensação para evitar hospitalizações e visitas desnecessárias a urgências.
Neste sentido, a informação coletada pelos dispositivos móveis seria transmitida online na plataforma de Saúde Responsável (plataforma estatal). E se algum parâmetro estiver fora da faixa estabelecida, um protocolo de atendimento clínico seria enviado através do Saúde Responde que poderia ser presencial ou de orientação clínica remota. O piloto começará a funcionar em 2016.
HomeCare
Outros avanços vistos em telemedicina têm a ver com o atendimento domiciliar em dispositivos de urgência, como é o caso das ambulâncias em catástrofes, rondas médicas, ou operativos médicos, entre outros.
A tecnologia nos permite ampliar a telemedicina a outras especialidades médicas e, por que não, a cirurgias à distância. A telemedicina não só é envio de exames e assistência síncrona ou assíncrona, também é uma ferramenta útil na formação e capacitação de toda a equipe clínica que assiste aos pacientes. Nessa área também houve avanço e existem experiências exitosas de sua implementação.
Podem distinguir, também, externalidades positivas à telemedicina, como a visita virtual de pacientes, que aproxima os familiares aos pacientes que estão hospitalizados em centros distantes, permitindo o contato entre eles através de videoconferências.
Como empoderar os profissionais
Pois bem, os avanços e resultados da estratégia de telemedicina no Chile nos demonstram que os desafios não estão nas TIC, senão em buscar os incentivos adequados para que os médicos e profissionais participem nos diferentes processos e modelos que existem para a telemedicina. Em nível mundial surgiram diferentes formas de abordar este assunto, cuja revisão acho interessante para coletar boas práticas e adaptar nossa idiossincrasia e possibilidades econômicas:
• A remuneração pública para os médicos e profissionais. É o incentivo mais comum, mas a literatura indica que se não existe um pagamento associado à telemedicina, é possível que o umbral de produção deste tipo de prestações decaia consideravelmente.
• Pagamento associado à telemedicina. Alguns países estão projetando mecanismos de pagamento. No Chile, por exemplo, FONASA incluiu por primeira vez uma quantidade limitada de vagas para telemedicina associados a um pagamento direto. Embora o FFS (Fee for Service) incentive a produção, deve-se tomar cuidado para que os processos assistenciais que não possuem pagamento associado não fiquem isolados do trabalho diário e, consequentemente, gerem listas de espera nos estabelecimentos.
• Reconhecimento público. Seria uma medida altruísta. Muitos médicos e profissionais não só trabalham por incentivos pecuniários. Em alguns países, os profissionais mais destacados em telemedicina recebem títulos honoríficos, como o de Doutor Honoris Causa (PhD.h.c), de universidades que cooperam com o governo.
O Chile possui uma sólida Estratégia de Telemedicina para apoiar toda a rede assistencial, com o objetivo de diminuir as barreiras de acesso a especialistas, fomentar a colaboração entre profissionais, e reduzir listas de espera. Mas para lograr uma ótima aplicação de todos os serviços de telemedicina requer-se analisar e armar um modelo de incentivos pecuniários e não pecuniários ad hoc à idiossincrasia local, para fomentar o uso da telemedicina entre os diversos profissionais que participam deste processo assistencial.
Como país devemos responsabilizar-nos por gerar as condições para desenvolver o monitoramento à distância de enfermos crônicos complexos (home-care) para descongestionar as urgências e evitar as hospitalizações desnecessárias. Neste desafio, o setor da saúde requer colaborar com a academia, empresas privadas e entes reguladores para propor uma base legal que facilite a aplicação e a adoção da telemedicina.
(*) Especialista em eHealth, mHealth, telemedicina e economia da saúde. Engenheiro comercial, MSc. Health Economics, University of York, UK e MA. e-Health, University of Applied Science Flensburg, Germany. Atualmente se desempenha como chefe do Departamento de Gestão Setorial de TIC do Ministério de Saúde do Chile e conta com mais de dez anos de experiência no setor público de Saúde, onde colaborou com seus conhecimentos em eHealth e economia da saúde em instituições como KFW Development Bank, FONASA e Serviço de Saúde Metropolitano Sul.