Neste encontro, que contou com a presença dos principais líderes do setor de tecnologia médica no Brasil, discutiu-se o impacto das soluções digitais na evolução do sistema de saúde do país, além dos desafios, oportunidades e perspectivas para o futuro da atenção médica.
Por Paula Penedo
Entre os dias 3 e 6 de março ocorreu em Las Vegas, nos Estados Unidos, a edição 2025 do HIMSS Global Health Conference & Exhibition (HIMSS25), o evento global mais importante dedicado à tecnologia e à inovação no âmbito da saúde. Líderes do setor de todas as partes do mundo se reuniram mais uma vez para explorar as últimas tendências de Tecnologia da Informação em saúde e acelerar a transformação digital do setor.
Durante as mais de 600 sessões educativas foram abordados tópicos como inteligência artificial, cibersegurança, interoperabilidade e equidade em saúde, permitindo que os participantes se atualizem sobre as inovações tecnológicas que estão impactando os rumos da saúde. Entre elas, o Brazilian Summit representou um espaço privilegiado para a troca de experiências entre especialistas em saúde digital de diferentes regiões do Brasil e de Portugal. Por cerca de 3 horas se discutiram as oportunidades e os desafios enfrentados pelos sistemas brasileiros e as últimas soluções que podem revolucionar o futuro dos serviços de saúde.
Com o objetivo de divulgar mundialmente o panorama da saúde digital no Brasil e suas particularidades, além de dar visibilidade internacional aos profissionais brasileiros, o Summit foi realizado em português, com tradução simultânea disponível em vários idiomas.
Inovar com sustentabilidade financeira
Após a apresentação oficial do Summit, a cargo do Dr. Mariano Groiso, HIMSS Advisor para a América Latina, o primeiro painel, moderado por Felipe Cezar Cabral, CMIO do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, concentrou-se na necessidade de investir em inovação e oferecer tecnologia de ponta sem descuidar da estabilidade financeira das instituições médicas.
Para o Dr. Fabio Fraga, diretor-presidente do Hospital Vera Cruz, localizado em Campinas, no interior de São Paulo, os CEOs dos hospitais brasileiros deveriam participar mais ativamente em eventos internacionais de tecnologia como o HIMSS. Ele defende que é fundamental que o principal executivo e os líderes dos conselhos de administração dos hospitais brasileiros patrocinem as iniciativas e os conhecimentos que estimulem a inovação tecnológica. “Toda instituição precisa estar ciente de que o desafio não é só do time de tecnologia. O desafio é da principal liderança, de quem tem a palavra final para decidir e avançar”.
Jader Pires, diretor executivo da Santa Casa de Porto Alegre, uma das principais instituições de saúde do Rio Grande do Sul, acredita que o problema é que o retorno financeiro em tecnologia nem sempre fica muito claro, já que a tendência da direção é preferir comprar um equipamento novo ou ampliar as instalações do hospital. Porém, há um desafio no back office que ele acredita ser a tração necessária, que é o trabalho conjunto entre todos os stakeholders que precisam trabalhar e faturar juntos: “Nós precisamos da aplicação da tecnologia para romper os desperdícios, mas também precisamos de novos pactos, de novas formas de relacionamento. E, talvez, todo o processo assistencial precisa ser revisto do ponto de vista do objetivo final. Esse objetivo final é o mesmo para todos, então temos certeza que podemos fazê-lo juntos”, frisou.
William Nascimento Viana, CMO do Hospital Glória D’Or, que faz parte da Rede D’Or, um dos maiores grupos de hospitais privados do Brasil, compartilhou sua perspectiva sobre a forma de decidir qual solução tecnológica adotar: “Sempre que a gente vai investir, tem uma preocupação de quanto recurso vai colocar naquela tecnologia e quanto vai trazer em ROI para a gente, seja em retorno financeiro, em melhoria de eficiência ou numa melhoria da experiência para o paciente”. Segundo ele, é preciso ter cautela e avaliar bem antes de dar a palavra final. “Algumas tecnologias que já trabalhamos e prometeram milhões de economia, quando a gente foi testar, quatro meses depois, viu que não era nem 5% daquilo que foi prometido. Então, essa é a grande dúvida de quem investe em tecnologia”, ponderou. Por outro lado, celebrou as recentes soluções tecnológicas implementadas na rede, como “Dora”, o chatbot que auxilia no agendamento das consultas: “Através da Dora, a gente ganhou eficiência operacional, e reduziu o índice de no show nas nossas clínicas. Em média, de um total de 40%, a gente conseguiu cair para 20% usando essa IA”, compartilhou. Para ele, “a gestão de uma entidade de saúde é uma sopa de letras: envolve regras, cadastros, cobranças, vínculos, processos, etc. Então, acho que é muito importante a gente usar a inovação, seja através da inteligência artificial, seja através de revisão de processos, seja com a homogeneização de ferramentas, com a integração de sistemas, para que a gente consiga sempre fazer mais com menos”.
O Dr. Newton Nunes Filho, presidente da Unimed Teresina, do Piauí, explicou o panorama do ponto de vista das operadoras de planos de saúde: “Nos últimos anos, especialmente após a Covid, o custo assistencial aumentou de uma forma exponencial no mundo todo. O plano vive com uma sinistralidade abaixo de 85%. No momento que isso sobe, ele vai ter que usar algum recurso extra para poder controlar esse custo. Então, aí devem ser regulados os modelos de pagamento, e a IA pode ajudar nessa questão”, explicou.
Eficiência no armazenamento de imagens médicas
A segunda seção do Summit foi dedicada a explorar soluções para o armazenamento eficiente de estudos de imagem. Jacson Venâncio de Barros, responsável pela liderança e gestão da área de saúde da Amazon Web Services (AWS) no Brasil, disse que o principal objetivo da AWS é agregar valor aos seus clientes. O Dr. Helio Ajzen, responsável pela área de TI da Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem (FIDI), detalhou algumas das soluções tecnológicas desenvolvidas pela instituição, como um sistema para a notificação de achados críticos via WhatsApp e Telegram, que alerta os médicos para o atendimento ágil aos pacientes em condições de urgência. Com a ajuda dos algoritmos e da IA, trabalhando em parceria com a AWS, ele demonstrou como estão aplicando a otimização no armazenamento de dados nos hospitais públicos brasileiros com o AWS Athena. Também falou sobre a aplicação de IA na criação de modelos preditivos para analisar imagens de tomografia computadorizada, o que permite a identificação de situações médicas críticas, como AVC e TCE. Por sua vez, Shirley Golen, responsável pelo desenvolvimento de negócios com foco em experiências inclusivas na AWS, revelou dados recentes de uma pesquisa liderada pela Harvard Business Review em parceria com o Google que confirmam a importância das ações de Diversidade e Inclusão para a avaliação positiva dos clientes e a viabilidade dos negócios na área da saúde, especialmente entre pacientes da Geração Z. “Avançar através da tecnologia dando prioridade à inclusão é a chave. Dessa forma podemos alcançar o máximo impacto em escala para todos”, explicou.


IA e registros eletrônicos na saúde: riscos, desafios e soluções
O terceiro painel foi dedicado à aplicação da AI, seus riscos, desafios e soluções e foi moderado por Claudio Giulliano, CEO da Folks Brasil. Jalmor Muller Jr, CIO do Hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo, falou sobre a automação dos processos que permeiam a jornada do paciente, e como a IA está atravessando todos eles. “O desafio é como criar esse ecossistema com eficiência operacional e segurança para os dados sensíveis dos pacientes. Então o grande desafio é viabilizar isso tudo, mas fazendo a conta fechar”. Felipe Yoshinaga, responsável pela liderança da área de Tecnologia da Informação (TI) e Inovação na Oncomed Oncology, falou sobre como é importante primeiro identificar o problema que precisa ser resolvido, para depois definir a melhor solução ou ferramenta tecnológica para isso. “A varinha mágica da IA não é a solução para tudo. Às vezes um simples ajuste de processos ou um treinamento pode ser o caminho. O grande desafio é saber quais são as prioridades da instituição de saúde e manter a estratégia da empresa alinhada a isso, para não desperdiçar tempo nem recursos”, disse. Já para o Dr. Luiz Arnoldo Haertel, médico e responsável pelo produto na Philips EMR no Brasil, um hospital que não tem acurácia nos dados, no estoque, no faturamento, na ocupação hospitalar e na demanda dos equipamentos, terá dificuldades na eficiência. “A IA talvez seja esse elo que até então não existia para interpretar o workflow clínico e transformar de uma maneira mais suave a parte da operação hospitalar. A IA hoje ajuda nos processos de cooperação assistencial e na entrada de dados. Mas quando a IA passa a aconselhar a decisão médica, o processo é mais delicado. E ainda temos um impedimento que é o risco legal, então a gestão da tomada de decisões através da IA ainda é complexa”, explicou.

Inovação em saúde e interoperabilidade no Brasil
O quarto painel abordou a inovação em saúde e a interoperabilidade no Brasil, tendo sido moderado por Vitor Ferreira, CIO do Hospital Infantil Sabará e também Presidente da ABCIS (Associação Brasileira dos CIOs de Saúde). Teresa Sacchetta, diretora de saúde da InterSystems no Brasil, explicou de maneira didática o que é interoperabilidade e o desafio da área de tecnologia da informação num ambiente que lida com dezenas de sistemas diferentes, cada um voltado para uma tarefa específica. “O que se costuma fazer é adquirir sistemas que depois precisam ser integrados um a um. Mas tem jeito de organizar isso, de integrar esses sistemas por meio de um barramento que tenha governança e consiga identificar qual dado de qual sistema pode e deve ser trocado e acessado por qual outro sistema ou profissional, seja por empresas da mesma rede ou entre diferentes CNPJs. Fora do Brasil isso é mais simples, pois é usado um padrão. Infelizmente no Brasil nós não adotamos um padrão, o que torna tudo mais complexo”, explicou. Para Allef Hermeson do Carmo, CIO do Hospital São Camilo, de São Paulo, a interoperabilidade entre diferentes CNPJs no Brasil não acontece porque “existe muito conflito de interesses econômicos por trás, o que dificulta a padronização do input e do output de dados”. Evandro Luis Moraes, diretor administrativo do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, RS, afirmou ter o desejo de participar de um painel sobre o fim da interoperabilidade, pois considera ser um tema que já deveria ter sido superado, mas continua sendo um desafio porque não convém financeiramente para os hospitais concorrentes trabalharem de forma integrada. “Apesar disso, minha obrigação enquanto gestor é mostrar para a direção do hospital que aplicar tecnologia é necessidade do negócio. É de suma importância para o hospital e para o paciente”, defendeu.

A saúde na era digital: Cibersegurança e outros desafios tecnológicos
O último painel foi dedicado ao crescente aparecimento de tantas tecnologias no processo de saúde e como garantir maior segurança e retorno financeiro do investimento aplicado, tendo sido moderado por Daennye Oliveira, CEO da TechInPulse. Para Patricia Hatae, CIO do grupo São Cristóvão, muito se fala de interoperabilidade, mas bem pouco de cibersegurança. “No São Cristóvão realizamos um MVP recente da área de inteligência artificial integrada com o prontuário eletrônico, ou seja, a parte da transcrição dentro do próprio PEP, o documento eletrônico, e esse MVP foi criado em cima de dores. Então a nossa visão é tirar a burocracia para deixar o paciente livre com o médico, que é o que mais importa. É ter qualidade e segurança. O paciente não sofre exposição de dados e temos redução de risco e de erros. Então é o hospital sem papel, mas com garantia em segurança e qualidade para o paciente, ou seja, o céu é o limite para a tecnologia”.
Jorge Stakowiak, diretor de IT da DASA, afirma que tentar inovar empilhando tecnologia no final das contas gera uma ineficiência muito grande. “Temos muita oportunidade de simplificar e educar, para direcionar a forma certa de consumir saúde. Então na DASA, atualmente, nós buscamos simplificação, com eficiência, propósito e elevando o NPS, sem dúvida nenhuma. A chave é ter escuta ativa do que o paciente espera e precisa de fato. O Nav, nosso aplicativo, nasceu disso. A partir de uma visão de ecossistema, tendo sido adaptado com o tempo para sempre trazer a melhor experiência para o paciente e para o médico da DASA. O desafio é ter bons profissionais na área de tecnologia e formar um bom time”, indicou.
De acordo com Luis Vaz Henriques, responsável pela gestão da tecnologia e sistemas de informação na Lusíadas Saúde, apesar dos avanços, ainda existe muita oportunidade de inovar. “Em nosso caso, a Certificação HIMSS permitiu atingir o público privado com uma estratégia correta de investimentos, e com os vários modelos disponíveis, conseguimos decidir onde vamos colocar o budget. Em muitas empresas, o que acaba sendo feito: usar os RPAs – que eu não acredito na robotização de processos – para continuar fazendo as coisas mal, mas com tecnologia substituindo as pessoas. Então, processo e tecnologia tem que caminhar juntos para conseguirmos fazer reengenharia e as mudanças necessárias para ser mais eficientes. Porque a eficiência está na tecnologia que caminha em paralelo aos processos”, sublinhou.
O futuro em foco
Os líderes do setor que participaram do Summit coincidiram no compromisso com a transformação digital no âmbito da saúde, destacando um futuro promissor no qual o uso adequado da tecnologia contribuirá, de maneira tangível, para melhorar a qualidade da atenção e a eficiência dos sistemas de saúde brasileiros.
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No dia previo ao Summit brasileño, ocorreu o encontro latinoamericano. Leia a cobertura neste link
