Segundo vários relatórios, a falta e o esgotamento do pessoal de saúde no mundo são alarmantes. A saúde virtual faz parte da solução.
Por Pablo Pereyra Murray
Em maio deste ano, a Lancet Global Health publicou que “o Sistema Global de Saúde enfrenta uma perigosa escassez de profissionais, com uma resposta ainda insuficiente em termos de urgência e escala”. Com isto, ficou claro que o desinvestimento crônico no pessoal de saúde, somado às assimetrias sustentadas ao longo do tempo entre a oferta e a procura de cuidados, e às más condições de trabalho, corroeram o sistema.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima um défice de 18 milhões de funcionários até 2030. O défice foi revisto em baixa pela National Health Workforce da Grã-Bretanha, mas deixa claro que permanecerá em níveis preocupantes, pelo menos nos países de baixa e média renda.
A acrescentar à escassez está a crescente migração de profissionais de saúde e o subemprego em países com graves restrições orçamentais. Um relatório recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destaca que na Jamaica e no Peru, por exemplo, entre 36 e 40% do pessoal de saúde emigra em busca de melhores condições de emprego e renda.
Por sua vez, outro relatório da mesma entidade, publicado em 2019, antes da pandemia, estimou que a região necessitará três milhões de médicos e oito milhões de enfermeiros adicionais até o ano 2040.
Em março de 2023, o Brasil anunciou uma injeção milionária no Programa “Mais Médicos para o Brasil”, com o objetivo de recrutar novos médicos e ampliar as equipes de atenção primária. E pelo menos sete países da América Latina informaram a OPAS sobre a sua participação em negociações multilaterais ou bilaterais para mitigar a dinâmica da migração de profissionais de saúde.
A solução para o défice é complexa: além da falta de pessoal, da sua distribuição, motivação e formação ineficientes, há uma procura crescente de cuidados, devido ao envelhecimento acelerado da população na América Latina e ao aumento da prevalência de doenças crônicas.
Dada a evidente falta de pessoal de saúde, os cuidados de saúde devem visar os cuidados virtuais; para automação de processos; e conectar-se e interagir com os próprios pacientes para envolvê-los em seus próprios cuidados de saúde, enfatizou Anne Snowdon, da HIMSS Analytics, no recente evento global da HIMSS em Chicago.
É evidente que, ao reduzir a carga burocrática e ao tornar fluido o acesso à informação dos pacientes, o pessoal de saúde libera tempo e energia para humanizar o seu trabalho e aumentar a sua produtividade. Também que a telemedicina expande o pessoal de saúde no tempo e no espaço; e que se torna conhecida a preferência dos profissionais de saúde mais jovens, e dos não tão jovens, por instituições adequadamente comunicadas e informatizadas. Finalmente, é evidente que novos modelos preditivos de risco permitem a detecção precoce de complicações de doenças crônicas, o grande problema atual dos sistemas de saúde.
Saúde Digital, parte da solução
Na Argentina, o Observatório Federal de Talentos Humanos em Saúde permitiria a visualização de indicadores em tempo real para a análise de informações e planejamento de ações nas residências das equipes de saúde.
O México, por sua vez, tendo registrado proporções muito baixas entre enfermeiros por número de habitantes e por número de médicos, gerou o Sistema de Informação Administrativa de Recursos Humanos em Enfermagem (SIARHE), um banco de informações para maximizar o uso e distribuição adequada desses recursos.
No entanto, cobrir a falta quantitativa de pessoal de saúde e de cuidadores não deve ser o objetivo exclusivo para resolver o problema dos Recursos Humanos em Saúde, uma vez que «são necessárias estratégias e ações muito mais amplas para garantir disponibilidade, competências e condições de trabalho«, explica o referido relatório do BID.
É assim que os vários exemplos de digitalização nas instituições de saúde demonstram que as TICs são de grande ajuda para o pessoal de saúde, facilitando a sua carga de trabalho, ao mesmo tempo que otimizam o seu trabalho e beneficiam os pacientes.
Entre os exemplos, María José Letelier, do Departamento de Saúde Digital do Ministério de Saúde do Chile, comenta que “o Hospital Digital está compensando longas listas de espera, ao gerar consultas virtuais assincrônicas com especialistas, expandindo a produtividade e alcance dos centros de atenção primária”. Enquanto Rubén Gennero, do Hospital de La Florida de Santiago de Chile, enfatiza que “orientar nosso modelo rumo à prevenção de doenças crônicas e suas complicações, e a única maneira de solucionar a sobrecarga na atenção da saúde”.
Educar para formar o pessoal adequado
No entanto, o futuro chega antes que o pessoal da saúde adquira a capacidade de compreendê-lo, adaptar-se e agir em conformidade, alerta um relatório sobre os recursos humanos em saúde do BID. A educação também precisa acompanhar as novas tecnologias.
Para isso, a Universidade Autônoma do México (UNAM) já inclui duas disciplinas de graduação em bioinformática na Faculdade de Medicina; e o Hospital Italiano de Buenos Aires consolidou seu prestígio regional com carreiras e programas de pós-graduação em Saúde Digital.
Destacam-se também o acordo entre a Universitat Oberta de Catalunya e o Ministério da Saúde da Argentina para uma pós-graduação internacional em saúde digital, o mestrado em Bioinformática Médica da Universidad del Bosque na Colômbia e o Modelo de Competências de Referência do Centro Nacional de Sistemas de Informação em Saúde (CENS) do Chile, voltados à educação na transformação da saúde e na adoção de tecnologias.
“A ênfase deve ser colocada na medição e certificação das competências digitais do pessoal de saúde”, afirmou Samuel Gallegos da UNAM no evento HIMSS México, em dezembro de 2022.
Fontes:
Prioritising the health and care workforce shortage: protect, invest, together. The Lancet Global Health, May 2023.
Boniol M, et al. The global health workforce stock and distribution in 2020 and 2030: a threat to equity and ‘universal’ health coverage? BMJ Global Health 2022;7:e009316. doi:10.1136/bmjgh-2022-009316
EL Futuro del Trabajo en América Latina y el Carible. BID, 2019. Educación_y_salud_los_sectores_del_futuro_versión interactiva.pdf
Rumbo al futuro del personal de salud: tendencias y desafíos para el próximo tiempo. Perez Cuevas et al. Banco Interamericano de Desarrollo. Mayo de 2023
Programa Nacional Mais Medicos para o Brasil
CENS: Modelo de Competencias Referenciales