Paulo Cunha: “A tecnologia é o caminho para alcançar a equidade na saúde”

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A um mês da apresentação da equipe da Amazon Web Services (AWS) no Brazil Summit da HIMSS Las Vegas 2025, Paulo Cunha, líder de vendas do setor público do Brasil da empresa, brindou uma entrevista exclusiva ao E-Health Reporter Latin America para comentar a situação atual do setor de saúde brasileiro.

Por Rocío Maure

O Brasil é o país que abriga a maior população e extensão de território na América Latina, por isso resulta em um grande indicador para medir o potencial das estratégias de digitalização na saúde. Paulo Cunha, Líder de vendas para o setor público do Brasil da AWS, conhece muito bem a situação desse país e confia que as novas tecnologias podem conseguir que o acesso à saúde seja realmente equitativo.

. Em retrospectiva, quais são as conclusões sobre o evento HIMSS Las Vegas e, especificamente, o Summit Brasileiro?

O evento anual da HIMSS é sempre muito positivo e tem um grande impacto para a empresa, mas sobretudo para os nossos clientes. É a oportunidade de se inspirar com as ferramentas que já funcionam e acessar as projeções para o futuro próximo. Este ano, sem dúvida, os pilares do evento (e do Summit) foram a IA e a IA generativa, e é necessário que possamos saber sobre suas aplicações atuais e futuras no país e na região.

. Tanto o Brazil Summit quanto o Latin America Summit demonstraram que a transformação digital do setor da saúde já não é uma exceção na região, mas sim uma realidade. Como você descreveria a evolução da saúde no Brasil nos últimos 5 anos?

Na verdade, devemos lembrar de 2018, quando o estado brasileiro decidiu implementar a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), um projeto prioritário do Ministério da Saúde. Esta iniciativa se baseou na integração dos dados do Sistema Único de Saúde (SUS) para centralizar o histórico clínico dos pacientes, a fim de evitar a duplicidade de tratamentos e reduzir os erros médicos. O design desta rede foi inspirado, em parte, em experiências internacionais, como o modelo da Dinamarca, ainda que adaptado à escala e à complexidade do Brasil.

Com a chegada do COVID-19, este projeto adquiriu maior relevância. Durante a pandemia, o desenvolvimento da RNDS foi acelerado, especialmente para respaldar o processo de vacinação massiva através do SUS. Hoje, os cidadãos podem acessar o Programa SUS Digital, um aplicativo que inclui histórico clínico eletrônico, certificados de vacinação e outros serviços integrados e interoperáveis. Se bem agora se oferecem 3 serviços, no próximo ano e meio projetamos superar os 20 serviços disponíveis.

Este avanço representa um processo de centralização muito importante para o paciente, que é o proprietário de seus dados de saúde e tem o poder de decidir com quem os compartilha. De todas as formas, o governo pode utilizar informações de maneira agregada para fins de planejamento e gestão da saúde da população. O Brasil está posicionado, então, em uma situação quase única a nível mundial. 

. O que você considera que é o principal recurso da tecnologia para a saúde do seu país?

Mais da metade dos hospitais brasileiros são organizações sem fins lucrativos, portanto, elas não são regidas por uma estrutura corporativa como ocorre em outros países. A equidade na saúde é um dos principais objetivos dessas organizações, e uma das melhores formas de conseguir é através da tecnologia. Os hospitais de maior tamanho, em termos de leitos, pacientes e cobertura, utilizaram a telemedicina nos últimos tempos, por exemplo, no Amazonas e na região nordeste do Brasil. Graças a estas iniciativas, conseguiram ter a mesma qualidade de diagnóstico em regiões remotas que nas principais cidades do país. Insisto, a tecnologia é o caminho para alcançar a equidade na saúde.

O diretor de uma das principais clínicas oncológicas do mundo usou uma analogia muito clara: na hora de abordar o câncer de pele, você pode tratar uma zona extensa para garantir o tratamento; mas com a tecnologia atual, você pode identificar uma zona mais específica para otimizar esse tratamento. Assim, são reduzidos custos que podem conduzir a iniciativas de equidade. Graças à tecnologia, podemos administrar melhor os custos, melhorar a precisão dos diagnósticos e fornecer tratamentos mais exitosos.

. Quais são os principais desafios que enfrentam o setor público da saúde no Brasil?

No âmbito nacional, o SUS é uma obrigação constitucional de todos os hospitais, e o principal desafio apontado por eles é a questão dos custos e do retorno do investimento. Por exemplo, a falta de infraestrutura e estabilidade dos servidores é evidente na atenção primária, onde as consultas muitas vezes não podem ser concluídas porque as solicitações ao sistema do SUS falham. Sem essa troca, o corpo clínico não poderá solicitar o financiamento correspondente àquela consulta. Em resposta, a infraestrutura de nuvem ajuda a garantir um serviço estável e confiável simplesmente porque evita falhas nos servidores e garante alta disponibilidade (ao contrário dos servidores físicos).

Outro desafio que observamos é que o SUS exige certos protocolos para confirmar o tratamento solicitado pelo hospital ou unidade básica de saúde para receber financiamento. Até agora, 80% dos pedidos foram rejeitados devido à incompatibilidade de protocolo. Graças à nossa parceria com a Liberty, parceira de open source, desenvolvemos um sistema baseado em IA generativa que nos permite identificar o protocolo correto. Este modelo agora reverteu radicalmente as estatísticas e atingiu um nível de eficácia de 80%.

Por um lado, a tendência global é que as informações pessoais dos pacientes se tornem propriedade de cada indivíduo. Muitas fontes e sistemas de informação do setor de saúde ainda não estão integrados, resultando em fragmentação de dados e ineficiências dentro do sistema. Por outro lado, se as informações estiverem centralizadas em um aplicativo móvel, o paciente pode acessar os dados, compartilhá-los quando necessário e garantir que toda a sua jornada clínica esteja em um só lugar. A melhor maneira de garantir essa interoperabilidade é trabalhar na nuvem, garantindo a integração de diferentes fontes de dados e atualizações em tempo real.

Uma vez que o compartilhamento de dados seja seguro e que as informações estejam centralizadas, poderemos superar novos desafios, como aproveitar a IA generativa para melhorar a precisão do diagnóstico. Um ótimo exemplo desse potencial é o trabalho da  Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem (FIDI), uma ONG que trabalha com IA generativa aplicada ao diagnóstico por imagem e está realizando desenvolvimentos altamente inovadores.

Os serviços em nuvem também ajudam a reduzir custos e expandir o uso de certas estratégias, como a genômica. Atualmente, estamos vendo um progresso significativo no Brasil e na América Latina em geral, na área da genômica. Por meio de alianças com diversos parceiros, estamos desenvolvendo algoritmos e plataformas em nosso país, mas eles podem ser aplicados em outros países. Dessa forma, os pacientes podem combinar suas informações pessoais com dados genômicos e planejar os próximos 15 anos de forma personalizada. Isso ajudará a reduzir custos, proporcionar uma melhor qualidade de vida e melhorar a saúde da população.

. Você poderia resumir os principais benefícios de usar infraestrutura em nuvem?

Três aspectos devem ser destacados: a escalabilidade, que permite um rápido aumento do número de usuários, pontos de contato e serviços interoperacionais; segurança cibernética, que para a AWS é prioridade zero (até mais importante que a número um) e além de ter certificações como ISO e outros padrões de qualidade, nosso nível de segurança cibernética é baseado em nossa experiência global. Cada região tem três data centers, e temos um total de 35 no mundo todo, pois recentemente lançamos um novo no México. Se um desses centros for atacado, os demais podem vir em nosso socorro, e podemos replicar a estratégia de proteção em todos eles. Por fim, a agilidade no acesso às informações e a facilitação no desenvolvimento de novas ferramentas é outra das grandes vantagens oferecidas pela nuvem.

. Quais são os próximos objetivos da AWS a curto prazo?

Estamos alinhados com a visão internacional: tomar ações centradas no paciente e ajudar os médicos a oferecer melhores cuidados. Também queremos democratizar o uso da IA, por exemplo, para gerar resumos e distribuir corretamente as informações, aumentar a eficiência do sistema, descobrir novos tratamentos em nível molecular e tomar decisões baseadas em dados. Dados não são um assunto simples; não é a mesma coisa ter dados estruturados e dados não estruturados. Essa informação perdida pode fazer uma grande diferença. Portanto, nosso objetivo com a IA generativa é combinar os dois tipos de dados e fazer o melhor uso deles.

É incrível a rapidez com que a tecnologia evolui e os avanços que agora podemos aplicar. Falamos sobre interoperabilidade, código aberto, IA generativa, infraestrutura em nuvem, genômica, mas devemos lembrar que nosso foco está sempre no paciente.

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