Em direção à ficha única do cidadão

Entrevistas

Por Daniela Chueke

O Engenheiro Mariano Soratti é Responsável pelo Sistema Integrado de Informação de Saúde Argentino (SISA) que está sendo realizado pelo Ministério de Saúde da Nação Argentina, e o entrevistamos para conhecer como se constrói um projeto tão ambicioso, tendo em conta que a Argentina é um país federal, onde cada província tem seus governos autônomos e seus próprios regulamentos sobre a saúde pública.

EHealth Reporter Latin America: Quais coisas deve ter em conta um desenvolvedor ao planificar um novo sistema clínico para que ao implementar-se, possa ser articulado com o SISA?

Mariano Soratti:  Para articular com o site? Essa é uma pergunta interessante. Em primeiro lugar, caso se trate de novos projetos, é que, se há a possibilidade, que sejam desenvolvidas sobre plataformas web, que facilitam muito a forma de interoperar com o SISA, porque este sistema trabalha sobre plataforma web. O segundo ponto tem a ver com os dados: nas medidas das possibilidades, que seu sistema interaja com as autoridades do estabelecimento e de sua jurisdição, porque o SISA publica os diferentes dicionários de dados dos diferentes registros. Por isso é útil ter em mente os diferentes dicionários de dados, os registros nominais do SISA, para acomodar-se da melhor forma possível e tentar registrar desde o princípio, a mesma ou mais informações do que está sendo implementado no SISA. E outro conselho interessante ao mesmo tempo, é que compatibilize as codificações.

 

 

EHRLA: Em que consiste compatibilizar as codificações?

MS:  As codificações é um mundo bastante desorganizado, onde, em geral, cada um codifica como pode ou como quer. Como o SISA também divulga as codificações, então também é um bom conselho para aqueles desenvolvimentos ou projetos que estão sendo terminados de desenvolver, que utilizem ou as mesmas codificações ou as próprias que vêm sido utilizadas, mas que tenham um mecanismo para mapear essas codificações . Se o sistema local utiliza os códigos de localidades próprios, que tenham um mecanismo que permita relacionar esse código próprio com o código de localidade INDEC que é usado pelo SISA. Esses são alguns conselhos básicos técnicos relacionados com acomodar os sistemas para poder começar a dialogar entre si.

 

EHRLA: Você acha que isso um dia levará a contar com um sistema de saúde que conecte a todo o país?

MS:  É a ideia, mas sabemos que é um longo caminho a percorrer. O outro conselho é que, não sei se um conselho ou uma reflexão, é ter presente que estamos em um processo que leva seu tempo, muitos meses e anos de trabalho e muitos registros. Tudo vai estar convergindo, ao longo do tempo, rumo à ficha do cidadão, em direção ao funcionamento regular de todos os registros nominais. Mas há que acompanhar. Não é que já está tudo escrito, que está tudo pronto e que você tem que sentar duas semanas para programar e pronto. É um processo que envolve muitos aspectos que nós ainda não sabemos como vão ser, que há que ir anotando, desenvolvendo, interagindo com as autoridades, definindo muitas coisas aqui dentro do Ministério. Trata-se de uma elaboração progressiva.

 

EHRLA: Isso está acompanhado pela legislação vigente?

MS: Sim, mas não de forma totalmente sincronizados. O SISA avança, operativa e tecnicamente na realidade, enquanto a legislação ou a normativa vem acompanhando um pouquinho por atrás. Em geral há duas modalidades de funcionamento, quando alguém desenvolve tecnologia no estado: Aparece a resolução, ou um regulamento ou uma lei ou o que for, e a partir disso, gera-se um projeto que tenta cumprir essa norma. Um exemplo disso é o que acontece com a ANMAT (Administração de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica): primeiro gera-se a famosa resolução de rastreabilidade, e agora todos os agentes estão adequando sistemas ou vendo como cumprir e aderir a essa resolução. E há outro caminho, que é o que o SISA fez, que consiste em começar, com uma proposta técnica, o desenvolvimento de todo um projeto de tecnologia, onde vão sucedendo certas coisas, registros, estratégias, planificações, que logo vão transformando-se em resoluções. Por exemplo: o Registro de Doadores de Sangue (REDOS), é algo que primeiro foi conversado com o responsável, que é Mabel Maschio. Com ela nós começamos, conversamos sobre o registro, em seguida, começou a trabalhar na minha equipe para desenvolvê-lo tecnicamente, e agora estamos realizando testes-piloto. E nestes meses, vamos começar a funcionar e só agora a Mabel está paralelamente aprovando uma resolução. Mas por que ela está fazendo isso? Porque sabe que hoje tem um SISA onde despejar esse registro.

 

EHRLA: Em quais outros casos se deu este caminho de construção operativa seguido de uma normativa posterior?

MS:  Aconteceu a mesma coisa com o  Código Federal de Estabelecimentos. Hoje, há uma resolução que aprova a sua existência, mas aprovou-se um ano e meio após o registro estar operativo. O registro começou a funcionar, a ser articulado com as províncias, e uma vez que está em termos técnicos o produto e o registro funcionando, apareceu uma resolução.

 

EHRLA: Em que porcentagem do projetado o SISA já está implementado?

MS: Em um 50%. Claramente. 

 

EHRLA: E o que é que estaria faltando para que funcione plenamente?

MS: Atualmente o SISA tem os três pilares em funcionamento, que já são conhecidos: os recursos de saúde, que são estabelecimentos interdisciplinares, e a ficha do cidadão que é um conceito que envolve os registros nominais, o cidadão e a prestação de saúde. Ambos estão 80% completos, desenvolvidos, funcionando e estão sendo melhorados à medida que são adicionados como novas opções. A qualidade dos dados também está melhorando. A terceira chave do SISA, a qual está composta pelos registros nominais, é a que está um pouco atrasada, devido à sua complexidade e porque faz relativamente pouco tempo que a iniciamos.

 

EHRLA: O que são os registros nominais? 

MS: Por exemplo, um profissional entra no SISA e pode cadastrar uma vacina fornecida a um paciente, mas ainda não está implementado todo o registro completo de vacinação.A implementação de um registro nominal como será o NOMIVAC (Registro Federal de Vacinação Nominalizado) é um trabalho que excede a dedicação do programador; é uma estratégia de planificação com as autoridades. Deve-se chegar a 7.000 localidades, a 1.500 estabelecimentos de internação, aos efetores privados de saúde, há que articular, determinar quem vai usar o serviço web e quem vai atualizar por patch, o que supõe vários meses de tarefas de implantação. E ainda falta desenvolver vários registros mais.

 

EHRLA: Estes registros atualmente existem no papel?

MS: Sim, são planos de saúde do ministério que existem mas cuja informação é compartilhada em modos precários. O mais conhecido são os programas “Remediar” ou “Nascer”, mas existem muitos programas, mais de 20. Alguns nunca vieram à tona porque não se informatizaram porque não tinham possibilidades, como a Direção de Saúde Mental. É uma direção que existe, que necessita, por lei, implementar um centro, a cada dois anos, de pacientes internados em neuropsiquiátricos, mas que nunca teve nem a tecnologia, nem o apoio necessário para implementá-lo. Então agora, vai começar a ser feito com o SISA. Como este há vários casos que foram informatizados precariamente, que precisam melhorar, e os grandes invisíveis ainda não estão desenvolvidos: o de vetores, o de programas médicos comunitários, vários módulos de faturamento, o de maternidade e infância, e o oncológico.

 

EHRLA: Por onde começar com tanto trabalho?

MS:  O mais importante é consolidar a ficha do cidadão. A ficha do cidadão é um instrumento que deve nuclear uma quantidade significativa de registros nominais. Precisamos consolidá-la e articulá-la, analisar a informação e determinar como será compartilhado. Esses 20 registros que hoje estão por separado, com diferentes níveis de implementação, vão funcionar na ficha do cidadão.

 

EHRLA: É uma informação bastante sensível para ser compartilhada, certo?

MS: Com certeza. Mas isso as autoridades políticas nacionais com as políticas provinciais, tem que ir para um bom padrão. Todos os registros contêm informações delicadas sobre as pessoas, como a compartilharmos? Não é que todos possam ver tudo, mas que se deve que regularizar como compartilhar essa informação. E isso que é mais político do que técnico.

 

EHRLA: Como conseguem as definições políticas necessárias? 

MS:  Eu interajo com as autoridades políticas nacionais, mas precisamos ter interlocutores capazes de decidir políticas em todas as áreas. Às vezes, o que dificulta o processo é que as autoridades querem ver mais resultados do que realmente dispomos para terminar de convalidar e consolidar politicamente a estratégia. Talvez seja necessário avançar um pouco mais com os resultados individuais de cada registro, e quando já tivermos vários, talvez quatro ou cinco registros nominais funcionando bem, então haverá que sentar-se e dialogar como será a articulação política. Ainda nos falta um pouco de nível de maturidade na implementação dos registros nominais.

 

EHRLA: Como se capacita os estabelecimentos e os profissionais das províncias para que possam usar estes registros?

MS:  Criamos um formato de capacitação que serve para fazê-la de forma presencial e à distância. São dois instrumentos básicos: uma guia de capacitação online para os usuários do SISA, focada na prática onde se pode aprender a usar cada um dos módulos. O outro instrumento é o ambiente de formação, que é uma emulação do SISA no real para poder praticar. Essas duas coisas são as que colocamos à disposição, e quando vamos aos estabelecimentos para ministrar um curso presencial também deixamos esse material impresso , que além disso, também pode ser baixado em pdf, para que cada um dos participantes possam utilizar se quiserem replicá-lo em suas províncias .

 

EHRLA: Para resumir, quais necessidades o SISA veio solucionar?

MS:  Basicamente, a fragmentação que havia na informação de saúde. É provável que, como um efeito colateral, também ajude a resolver outros tipos de fragmentação, tais como a organizacional. Também ajuda a otimizar recursos, porque, ao integrar a informação em um projeto de tecnologia, começa-se a gastar muito menos dinheiro no desenvolvimento de sistemas. Fazemos um investimento importante que logo são utilizados em muitas áreas. Também otimiza-se o recurso humano e o equipamento. Agiliza-se o trabalho porque o objetivo final é reduzir a quantidade de sistemas de informação, portanto vai otimizando assim em diferentes níveis. Isso será uma grande mudança, por mais que seja gradual. Tanto no país, como na província, e no efetor, o SISA deve ir ajudando a elucidar o trabalho, que não haja que estar cadastrando cem formulários sempre, que a linguagem esteja unificada, também as codificações e os critérios para simplificar a tarefa de todos.

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