A intervenção das redes sociais na saúde

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A revista Lancet Neurology publicou em maio um estudo que mostrava que os medicamentos genéricos de lithium não servia para freiar a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença neurológica devastadora. As descobertas deveriam ter sido decepcionantes para os pacientes –refutavam um estudo anterior, muito menor, que sugeria que o lithium podia alterar o avance rápido da doença– mas o certo é que muitos já esperavam este desenlace. Dezoito meses antes, PatientsLikeMe, uma web social de pacientes e agregador de dados com base em Cambridge, Massachusetts, chegou a uma conclusão parecida, de forma muito mais rápida e com um custo muito menor.

O site, por um lado rede social e por outro saúde 2.0, reuniu dados sobre a saúde de seus 65.000 membros, que abarcam 16 diferentes doenças, incluindo epilepsia, fibromialgia e depressão. Dá ferramentas aos usuários para analisar seu estado de saúde e comunicar-se com outros pacientes e logo elimina os dados pessoais e vende os dados a companhias farmacêuticas e a outras empresas. O co-fundador da empresa, James Heywood, acredita que o site afinal mudará a forma em que os medicamentos e outras intervenções se avaliam. Heywood, seu irmão Ben e um antigo companheiro de estudos no MIT, Jeff Cole, fundaram PatientsLIkeMe em 2006 como uma maneira de ajudar o seu terceiro irmão, Stephen, que foi diagnosticado com ELA em 1998.

O foco não substituirá os ensaios químicos, não a curto prazo pelo menos. Porém, alguns expertos sim acreditam que poderia ter enormes benefícios ressaltando como os diferentes tipos de pacientes utilizam os medicamentos, quando param ou que efeitos secundários experimentam. “A beleza dos ensaios observacionais é que se pode ver como uma intervenção funciona no mundo real”, declarou Mark Roberts, médico e professor de Health Policy and Management na Universidad de Pittsbourgh. Por exemplo, muitos ensaios eliminam pacientes com doenças acrescentadas, como falhas renais ou doença pulmonar obstrutiva crônica. “Todos os meus pacientes têm essas coisas, por isso, como posso saber se funciona nas pessoas as quais trato?” disse.

PatientsLikeMe comprovou a sua base de dados em 2008, depois de que um pequeno estudo italiano publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences sugerisse que o lithium poderia atrasar a progressão da ELA. Dez por cento dos usuários da web que sofria ELA começou a tomar o medicamento, não queriam esperar que um ensaio maior confirmasse os resultados. Inspirados por um membro brasileiro que queria saber se o lithium realmente ajudava, a empresa desenvolveu uma série de ferramentas para poder analisar o progresso dos usuários.

Gráfico realizado por PatientsLikeMe sobre o rendimento do medicamento e o avanço da doença. TechnologyReview.

Os fundadores, que estudaram engenharia no MIT, começaram a construir modelos da maneira em que a doença costumava progredir em indivíduos com diferentes características, incorporando variáveis como a idade, o gênero, a gravidade da doença, o tempo desde o diagnóstico e outros fatores. Heywood diz que os modelos permitem aos investigadores predizer o curso que a doença de um indivíduo tomará de uma forma muito mais precisa do que as ferramentas habituais de prognóstico. “Podemos predizer quando um paciente morrerá com 16 meses de antecipação, comparado com o típico “você tem de dois a cinco anos de vida”»», disse.

 

Dado que a empresa tinha uma quantidade tão grande de dados sobre pacientes, os investigadores puderam analisar como os sintomas de um indivíduo haviam mudado doze meses antes de começar a tomar lithium, assim como depois de começar o tratamento. Ao contrário do que os típicos ensaios clínicos, isso permitia aos científicos buscar características únicas nas pessoas que decidiram tomar o medicamento. Encontraram que as pessoas que escolhiam tomá-lo estavam muito pior que os que não provaram (este grupo estava muito mais motivado a provar um tratamento experimental).

 

Os investigadores também analisaram os que ingeriram lithium de uma forma mais precisa. Ao recopilar os dados de pacientes com historiais similares e características da doença dos que não tomaram lithium, criaram um modelo que predizia o curso da doença nesse grupo. Puderam, mais tarde, determinar se um paciente que reunia os critérios antes do tratamento se desviava antes da progressão ao começar a tomar o medicamento. A resposta é que não, quer dizer, a ingestão de lithium não tem efeito nem positivo nem negativo na doença.

 

Os críticos deste novo foco apontam à falta de um grupo controlado com placebo. Fora de um ensaio clínico controlado, é difícil determinar se a droga ou algum outro fator foi a chave para o resultado. “O problema com PatientsLikeMe é que envolve informação observacional. Se os pacientes acreditarem que a medicação os ajuda, estarão inclinados a reconhecer qualquer evento positivo e vice-versa”, afirmou Paul Bleicher, fundador de PhaseForward, uma empresa que gestiona dados provenientes de ensaios clínicos. “A maior parte das pessoas nem sequer se dão conta dessa tendência. Para isso existem os estudos de duplo-cego”.

 

Roberts, da Universidad de Pittsburgh está de acordo. “Que tipos de pacientes estão dispostos a informar a sua situação? São todos os que possuem a doença? É igualmente provável que informem as pessoas para as quais não deu certo que as pessoas que sim deu certo?”, perguntava a si mesmo. Contudo, Roberts também é otimista, apontando que os métodos estadísticos podem corrigir muitos destes problemas. “Sempre que você tiver o cuidado suficiente ao compreender os caminhos possíveis, acho que poderá começar a aproximar-se ao controle que possui em ensaios clínicos”, comentou.

 

“O tipo de dados que você pode obter de estudos observacionais é, sobretudo, a geração de hipóteses valiosas, o que não é fácil de conseguir”, afirmou Bleicher, quem também trabalha para a Humedica, uma empresa de informática sanitária que recopila dados de historiais médicos eletrônicos. “Utilizando bases de dados, você pode chegar a teorias que sejam suficientemente fortes como para ser utilizadas em um ensaio controlado”.

 

Swati Aggarwal, um médico do Massachusetts General Hospital que liderou o estudo sobre o lithium na ELA publicado no The Lancet, vê PatientsLikeMe como um recurso muito bom para acessar à comunidade de enfermos de ELA. “Poderíamos utilizar a base de dados para tentar compreender por que os pacientes não gostam de utilizar o BPAP”, um ventilador que ajuda os pacientes a respirar, explicou.

 

Atualmente, PatientsLikeMe está construindo modelos para as suas outras comunidades de enfermos e seus próximos planos consistem em observar os efeitos de alguns tratamentos para a esclerose múltipla, assim como outros fatores que afetem a ELA. “As enfermidades nas quais nos centralizamos tendem a serem essas nas quais os pacientes sabem mais sobre a sua saúde do que a comunidade médica”, disse Heywood. “É mais fácil conseguir que os pacientes nos digam a situação do que os sistemas médicos mudarem”.

 

Fonte: Emily Singer, Technology Review

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