Analía Baum: «O clima de cooperação entre os distintos subsetores do sistema de saúde que se gerou, permitiu uma gestão da informação e uma abordagem ao paciente nunca antes vista»

Entrevistas

É assim que a Dra. Analía Baum destaca os avanços em saúde digital que foram desenvolvidos local e nacionalmente. Desde Orlando, no marco do HIMSS Latin America Summit, a Diretora Geral de Sistemas de Informação em Saúde descreve o grande caminho percorrido pela Cidade de Buenos Aires durante a pandemia e os projetos que continuam sendo implantados em uma entrevista exclusiva para o E-Health Reporter Latin America.

Por Rocío Maure

A argentina especialista em Informática em Saúde, a cargo da Direção Geral de Sistemas de Informação em Saúde da Cidade de Buenos Aires, afirma que sua equipe já tinha uma agenda digital definida antes da pandemia, mas que as oportunidades e o nível de intercâmbio entre os subsetores mudaram radicalmente durante esse contexto. “O verdadeiro desafio é estabelecer como a estratégia na saúde é priorizada. Uma vez definidos os objetivos comuns, é fácil alinhar os passos que devem ser dados e, assim, conseguir uma colaboração multissetorial”, sustenta.

  • Quais são as maiores lições deixadas pela pandemia do COVID-19?

A pandemia marcou um senso de urgência que obrigou todos os atores do ecossistema da saúde a se concentrarem em um interesse comum, uma visão compartilhada para impedir a propagação do COVID-19 o mais rápido possível. Este interesse comum criou um clima de cooperação e colaboração entre os diferentes subsetores do sistema de saúde que permitiu uma gestão da informação nunca antes vista, tendo o paciente no centro da cena. O interesse comum e a clareza dos problemas que tínhamos para resolver facilitaram o consenso e a implantação de estratégias de saúde como detecção precoce do caso e seus contatos próximos, isolamento preventivo, monitoramento de sintomas, gestão de leitos e prevenção por meio de vacinação.

Como nunca antes, fornecemos dados para diferentes usuários: pacientes e população em geral, mídia, tomadores de decisão em nível governamental e em nível de serviço, e impulsionamos a agenda de saúde pública baseada em evidências e tomada de decisões baseada em informações. A gestão integral da pandemia exigiu coordenar tarefas com equipes de trabalho de distintas jurisdições e estabelecer metodologicamente estratégias para manter as informações atualizadas em tempo real. A interoperabilidade entre os sistemas de informação em saúde da Cidade e o Sistema Integrado de Informação em Saúde da Nação (SISA) foi fundamental, pois permitiu a notificação de cada teste realizado.

Da mesma forma, o registro da aplicação do esquema de vacinação no “Historia de Salud Integral Digital” de cada pessoa está vinculado aos sistemas nacionais e permite que cada pessoa obtenha seu certificado digital na plataforma “Mi Argentina”. A estratégia que foi aplicada à vacinação contra a COVID-19 já foi ampliada a todo o calendário de vacinação tradicional, também atualmente associado aos sistemas nacionais. Essa interoperabilidade também possibilita o trabalho conjunto entre as jurisdições para completar os calendários de vacinação iniciados em um distrito e concluídos em outra localidade. Acredito que essas estratégias vieram para ficar e agora temos que olhar para frente buscando a integração de outras doenças de notificação obrigatória e começar a rever as políticas de saúde com informações pertinentes.

  • Uma das ferramentas que foi essencial para enfrentar a pandemia na Cidade de Buenos Aires, foi o chatbot de WhatsApp “BOTI”, e recentemente completou 3 anos desde sua implementação. Que impacto teve esta ferramenta e quais as expectativas da sua aplicação a médio prazo?

Como parte da estratégia de desenvolver canais de informação confiáveis para os cidadãos de forma imediata, conforme exigido pela emergência sanitária, o Governo da Cidade de Buenos Aires reforçou os serviços do BOTI, um chatbot que possibilitou responder às consultas dos residentes sobre a situação da pandemia, disponibilizando-lhe a sua informação sobre os resultados dos testes e vacinas, nos picos de emergência sanitária permitiu fazer a triagem e despachar ambulâncias, detectar casos suspeitos através da tosse (IATos), monitorizar os casos de covid e seus contatos próximos (CORI) e acessar os resultados do laboratório COVID, bem como os agendamentos para vacinação e seu passaporte digital.

Com um guia de perguntas e respostas frequentes, o Boti evoluiu para um meio mais sofisticado de contato e gestão de procedimentos e hoje proporciona uma experiência simples e personalizada para todos os residentes. Esta ferramenta de uso massivo na América Latina é ágil e acessível, fácil de usar para toda a população. Por isso, acreditamos que o acesso oportuno às informações de saúde poderia ser canalizado por meio do BOTI, assim como o acesso às informações e serviços da rede pública de saúde.

  • Em que situação se encontra a implantação do Prontuário Eletrônico nas instituições de saúde da Cidade de Buenos Aires?

Buenos Aires é a capital e maior cidade da Argentina. Há quase 3 milhões de pessoas vivendo aqui e 8 milhões de pessoas em circulação durante a semana. O sistema de saúde da Cidade de Buenos Aires tem 3 setores: privado, previdenciário e público. O sistema público de saúde conta com 117 postos de saúde, sendo 34 hospitais e os demais são centros de atenção primária. Nos últimos 6 anos, todos os centros de atenção primária e 20 hospitais implantaram o “Historia de Salud Integral Digital” em seus ambulatórios e 6,3 milhões de pessoas já foram beneficiadas por esse sistema.

Agora, além de aprimorar a estratégia para os prontos-socorros e internações hospitalares e integrar sistemas de diagnóstico e tratamento, estamos trabalhando para dar continuidade à integração com os setores privados e previdenciário. A experiência na pandemia com o intercâmbio de ocupação de leitos e plano de vacinação já demonstrou os benefícios dessa cooperação e buscamos aprofundá-la.

  • Que avanços na transformação digital permanecerão no futuro e qual é o seu impacto?

Para nós da tecnologia e da saúde, este é, sem dúvida, um momento repleto de oportunidades para valorizar a acessibilidade que as tecnologias digitais nos proporcionam. Estamos diante de uma revolução digital que está transformando a sociedade de uma forma e em uma velocidade nunca antes vista e é responsabilidade da própria sociedade tornar esse processo inclusivo, não deixando ninguém, por mais difícil que seja sua localização, à margem.
As ferramentas de monitoramento que foram utilizadas para monitorar pacientes com COVID-19 poderiam ser redesenhadas para monitorar pacientes com doenças crônicas não transmissíveis, neste caso não para prevenir a doença, mas de grande ajuda para melhorar a adesão aos seus controles e evitar as complicações dessas doenças que posteriormente afetam a qualidade de vida desses pacientes e seus acompanhantes. Claro que, sem passarmos por grandes desafios tecnológicos ainda, com uma boa base de recém-nascidos e um processo e um sistema adequado de recopilação de vacinas, como aconteceu durante a pandemia, poderíamos ir em busca de crianças que não estão com seu calendário de vacinação em dia.
Além disso, é certo que os sistemas de informação participarão cada vez mais da gestão do conhecimento, ou seja, com foco na inteligência artificial que melhora a tomada de decisões. Além do fato de que o paciente vai ser um ator com mais interesse pela informação e isso vai influenciar no processo de cuidar-se. Nesse sentido, relógios e smartphones, sensores de movimento e outras tecnologias do mundo da internet das coisas trarão grandes volumes de dados em tempo real que nós que trabalhamos em sistemas de informação da saúde devemos aprender a coletar, armazenar, processar e interpretar, atentos a cuidar da privacidade e proporcionar verdadeiro valor à sociedade.

Nesse sentido, na Cidade temos disponível a implantação de diferentes ferramentas digitais como teleconsulta, prescrição digital e uso de chatbots para múltiplas finalidades como orientação médica, monitoramento de sintomas de contatos próximos, acesso a resultados de exames e o passaporte de vacinação digital, para citar apenas alguns. Também vale mencionar, o progresso em algumas normas e regulamentações.

  • Sem dúvida, uma instituição ou um hospital enfrenta vários obstáculos ao passar pela transformação digital. Quando a agenda digital atende às necessidades e ao planejamento de uma cidade inteira, quais são os principais desafios? Como o Ministério planeja abordá-los?

Nos dias de hoje, somos capazes de compreender que cada implementação de um sistema informático modifica a forma de trabalhar, a forma como as pessoas se relacionam e impacta nos nossos valores e princípios. Em outras palavras, é uma mudança cultural. Essa mudança cultural é uma mudança profunda na forma como os dados, as informações e o conhecimento são gerenciados. Para acompanhar essa transformação nas organizações de saúde, são necessários recursos humanos capazes de compreender qual é a tarefa desempenhada pelos profissionais em nível assistencial, como e por que tomam suas decisões e, a partir disso, estabelecer conjuntamente como os sistemas de informação podem agregar valor para alcançar um sistema de maior qualidade, eficiência e efetividade. Neste sentido, a Direção de Sistemas de Informação em Saúde trabalha em conjunto com a Direção Geral de Cultura Organizacional do Sistema Público de Saúde de forma a envolver genuinamente todos os atores do ecossistema da saúde de forma a minimizar obstáculos e eventuais resistências.

Outro grande desafio é que o plano inclua toda a cidade. Embora as estatísticas anuais e o relatório censitário do país mostrem que o acesso à Internet e à telefonia móvel está aumentando, a cidade possui políticas como o “BA Wi-Fi” para levar esse serviço a todos os pontos da cidade, além do uso de tecnologias como WhatsApp que são facilmente adotados por toda a população. Depois, há os desafios da esfera regulatória e legislativa, em que também temos trabalhado não só em nível municipal, mas também em nível federal.

  • Qual é o próximo grande objetivo almejado pela Direção Geral de Sistemas de Informação em Saúde da Cidade de Buenos Aires?

Estamos retomando o plano de transformação digital que acompanha a missão de ter uma rede de atenção integral e progressiva a partir das necessidades da comunidade. Nesse sentido, em 2016 – 2019 implantamos o “Historia de Salud Integral Digital” para dar assistência no nível primário de atenção. Graças a este sistema conseguimos responder à pandemia com a qualidade de informação que citei anteriormente. Agora, estamos retomando o plano 2020-2023 para aprimorar o “Historia Clínica Electrónica” nos níveis pronto-socorro e internação e integrá-lo aos sistemas laboratoriais e de imagem, que em sua maioria são digitalizados, mas não integrados em um único sistema de informação. Esse é o nosso objetivo para esses 2 anos de gestão.

Ao mesmo tempo, aspiramos sustentar e fortalecer algumas das estratégias que foram utilizadas na pandemia. O plano que tínhamos para quatro anos teve que ser adaptado para os próximos dois, com os quais tivemos que recorrer a parceiros para a integração de serviços de diagnóstico e tratamento de forma a focar e aprofundar com as estratégias que já tínhamos de desenvolvimento próprio para poder acompanhar a estratégia de saúde. O objetivo é fortalecer a rede integrada de consultas com possibilidade de referência e contra-referência, a fim de melhorar a experiência do paciente e garantir a continuidade do seu cuidado e das informações de saúde.

  • O que você considera ser fundamental para alcançar uma verdadeira transformação digital a nível local?

O setor público tem a inevitável tarefa de fazer com que essa inclusão se concretize, adotando uma visão holística das leis e normas que levem em conta o resultado para o usuário final, abandonando rigidezes e dogmas de outros tempos em que as políticas desses setores eram tratadas isoladamente, com soluções ad-hoc que levaram anos para serem implementadas e estão sendo sobrecarregadas pela realidade atual.

O setor privado também tem que fazer a sua parte, explorando, inovando, buscando soluções inventivas para problemas de financiamento de redes, abandonando também velhas formas e abrindo-se à cooperação intersetorial, à colaboração com provedores de serviços online e a “cooperar” com seus pares.

Na minha opinião, o mais notável da pandemia foi a interação entre os diferentes subsetores e as diferentes jurisdições para acordar como registrar, armazenar e intercambiar informações e disponibilizá-las ao paciente e aos tomadores de decisão que tiveram que definir politicas sanitárias, sociais e econômicas com as melhores informações disponíveis. Acredito que temos que continuar apoiando e promovendo essas estratégias de saúde mais além da COVID-19.

A situação desejada seria promover o desenvolvimento de agendas digitais e integração regional; abordar melhorias de recursos e infra-estrutura; garantir a troca de dados interligados por interfaces seguras; obedecer às normas internacionais e terminologias médicas; e, sobretudo, evitar que as TI’s aumentem as desigualdades.

  • Para finalizar, na sua primeira visita ao evento global da HIMSS, que aspectos do evento em geral e do Latin America Summit você destaca?

Acredito que todos os tomadores de decisão, em qualquer nível, que atuam no sistema de saúde devem comparecer ao evento da HIMSS, porque verão o que vai acontecer nos próximos anos e para onde caminha a transformação digital do setor. O evento abrange todos os temas e necessidades: desde serviços de gestão de projetos até apoio na implementação e capacitação, soluções específicas e globais, inovação, tendências.

Para quem já passou por esse processo de maturidade digital, também existe uma área muito grande de Internet das Coisas (IoT) para complementar a comunicação com o paciente. Vi muitas opções de wearables e dispositivos que se integram com facilidade a plataformas de interoperabilidade. Por sua vez, há muito desenvolvimento de inteligência artificial (IA) e alguns provedores que atuam globalmente oferecem opções customizadas. Ou seja, eles oferecem um algoritmo base que eles personalizam de acordo com o local onde será aplicado.
Quanto ao Latin America Summit, fiquei impressionada ao ver o enorme impacto e o desejo dos participantes de contribuir e se comunicar com seus pares de outros países da região. Sem dúvida, estamos diante de um grande momento de maturidade digital em que podemos agregar valor não apenas por meio de dados e algoritmos, mas também por meio de intercâmbios com colegas.

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